terça-feira, 17 de janeiro de 2012

ACHADOS E PERDIDOS ENCANTA PELA QUALIDADE GRÁFICA E CANÇÕES QUE COMPLEMENTAM UMA ARTE IMPECÁVEL



Quem marcou presença no Festival Internacional de Quadrinhos deste ano, realizado em novembro, com certeza teve dificuldades diante do estande do grupo Pandemônio, que reúne artistas de Belo Horizonte. Lotado e quente, o cubículo estava tomado de pessoas que queriam, mais do que conhecer novos desenhistas, buscar um exemplar da graphic novel Achados e perdidos. Exaustos e felizes, os três autores da HQ se esmeravam em autografar as cópias dos futuros leitores, que bancaram, via crowdfunding, um financiamento colaborativo pela internet, a obra independente que conta a história de um menino que acorda um dia com um buraco negro na barriga.

A iniciativa de publicar só com a ajuda das pessoas já rendia elogios para os autores sem que ninguém ainda tivesse lido de fato a história. Mas depois que sites especializados em quadrinhos, críticos como Sidney Gusman e editoras como a Cia. das Letras destacaram a impressão notável, a trama envolvente e a qualidade geral de Achados e perdidos, não é exagero dizer que se trata de um marco nos quadrinhos independentes brasileiros. As 212 páginas da publicação trazem uma história madura, de traços contemporâneos firmes e cheios de personalidade. E de quebra, ainda é acompanhado de um CD para criar uma trilha sonora para os quadrinhos.

A repercussão tem impressionado os autores. “A gente não esperava tanto”, confessa Eduardo Damasceno, um dos desenhistas e redatores da história. “A gente confiava no nosso livro e por isso esperava que as pessoas fossem gostar, mas elas estão gostando muito mais do que se imaginou”, acrescenta Luís Felipe Garrocho, que também criou e desenhou a graphic novel. Completa o trio de autores o cantor Bruno Ito, que ficou responsável pelo disco que acompanha o livro.

Parcerias Antes mesmo de existir, Achados e perdidos já causava uma expectativa graças ao trabalho que a dupla de desenhistas faz no site Quadrinhos Rasos (
www.quadrinhosrasos.com). Lá, eles aproveitam letras de músicas como ponto de partida para contar histórias. “Começamos esse projeto na internet simplesmente porque queríamos fazer quadrinhos. Não imaginávamos que alguém ia ler”, explica Luís Felipe. Ao contrário da expectativa, a ideia atraiu vários leitores. Quando descobriram que iriam precisar de R$ 25 mil para a publicação, os autores não tiveram dúvidas e pediram ajuda via crowdfunding, um financiamento colaborativo pela internet.

“Foi uma aposta nossa esse valor alto, e acho que se não funcionasse ia pegar mal para a tentativa de fazer quadrinhos nesse sistema colaborativo”, revela Luís Felipe. Mas a aposta deu mais do que certo: cerca de 570 pessoas apoiaram e a meta inicial foi superada, com mais de R$ 30 mil levantados. “A cada R$ 100 que entravam, o coração voltava a bater um pouco”, brinca Eduardo Damasceno. O dinheiro extra garantiu não só a publicação do livro, mas também de todos os brindes que o acompanhavam, como adesivos, bottons e camisetas.

Para ninguém se iludir com falsas expectativas, os autores se preocuparam em mostrar exatamente como era o trabalho. “Colocamos o primeiro capítulo na internet justamente para quem nos apoiava ver o que estávamos fazendo e saberem bem o que estavam pagando”, explica Luís Felipe, revelando que desde o início a busca pela qualidade foi uma obsessão dos autores. “A gente queria fazer o livro mais bonito do mundo, um negócio meio megalomaníaco mesmo. Fazer uma coisa difícil mesmo, e ainda pôr um CD junto, para complicar ainda mais.”

Tanto trabalho, segundo eles, valeu a pena. Principalmente agora que o livro está chegando à casa das pessoas que ajudaram financeiramente a obra, do Piauí ao Acre e Roraima, e até de outros países, como Portugal, Estados Unidos e Inglaterra. “Teve uma menina que disse se sentiu orgulhosa do resultado. Respondi que ela realmente foi fundamental”, conta Damasceno. “É muito bom ver as pessoas gostando de ter nas mãos uma coisa que elas de fato ajudaram a fazer. É um elogio que é bom de receber também”, completa Luís Felipe.

Independência
Achados e perdidos talvez seja o melhor exemplo de quadrinhos independentes, mas com certeza não é o único. Com outros parceiros, Eduardo Damasceno e Luís Felipe criaram o grupo Pandemônio, que publicou também trabalhos de Ricardo Tokumoto, Lu Caffagi e Daniel Pinheiro Lima. Para eles, o crescimento da cena no Brasil deve muito ao apoio desta edição do FIQ. “Foi muito grande, e ao mesmo tempo muito organizado”, elogia Eduardo Damasceno. “No nosso caso, foi uma prova de confiança e pressão ao mesmo tempo”, conta.

Damasceno exalta também a oportunidade de apresentar seu trabalho para um público de 148 mil pessoas, número que faz do FIQ o maior evento dedicado aos quadrinhos da América, superando inclusive a tradicional San Diego Comic Con, que acontece desde 1970, nos Estados Unidos. Apesar disso, os autores evitam levantar bandeiras. “Teve gente que falou que nós provamos que não precisa de editora, e não é isso. Se provamos alguma coisa foi que existem alternativas que possibilitam a publicação. Não somos contra editoras, sabemos que as pessoas que trabalham nelas amam quadrinhos como todos nós”, argumenta Luís Felipe.

A dupla não descarta trabalhar com uma grande editora no futuro. “Até por ser formado em produção editorial, estaria mentido se falasse que não pensamos em um contato com uma editora grande. Mas não é fundamental, porque já fazemos as coisas que gostamos de fazer do nosso jeito”, pondera Eduardo Damasceno. “Uma hora isso vai dar algum retorno financeiro”, aposta.

Junto e misturado

Um dos diferenciais de Achados e perdidos é o CD que acompanha o livro. A ideia surgiu da vontade da dupla de subverter o que fazem na internet: ao invés de quadrinhos inspirados por músicas, queriam experimentar música inspirada por quadrinhos. “Não pensei muito como ia funcionar, mas adorei a ideia e topei na hora”, recorda o compositor Bruno Ito, que nem sequer lia quadrinhos. Apesar de morar em Roraima desde 2010, ele garante que a distância não foi impedimento. “Tínhamos uma pasta compartilhada e todo dia ia trocando as novidades com eles. Se eu estivesse em BH talvez não funcionasse tão bem”, avalia o músico.

No começo da parceria, a dupla deixou Ito criar à vontade. Mas com o avanço da obra, passou a interferir cada vez mais na criação do músico. “O Bruno pedia que a gente desse pitaco nas músicas, isso fazia ele se sentir parte do livro. No final a gente estava falando sem parar, nossa diversão era dar uma bagunça para ele criar uma música em cima, e ele sempre conseguia”, detalha Luís Felipe. “A coisa fluiu bem e era tão funcional que parecia que ele estava aqui do lado”, garante Eduardo Damasceno.

“A música mudou totalmente a percepção da história e eu não achei que isso fosse possível”, admite Bruno Ito. O resultado foi que o nome dele acabou aparecendo como um dos autores de Achados e perdidos. “São duas artes distintas que funcionam bem separadamente e que, juntas, são uma experiência completa”, avalia. “Quando a gente vê que funcionou junto, se pergunta quais outras artes dariam certo unidas. É muito mais interessante a gente parar de segregar e passar a misturar”, finaliza.

Fonte consultada:

Mais um exemplo de 'interdisciplinaridade' para nossas aulas de Artes Vsuais, incluindo Música: pura Arte...

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